terça-feira, 28 de agosto de 2012

Depois de alguma troca de ideias sobre o que vem a ser vocação no contexto da música de orquestra, surgiram novas perguntas para a discussão:

1) No contexto do ensino de música sinfônica para jovens de baixa renda, a ideia de vocação artística reforça, ou legitima, o individualismo dos músicos?

2) Depois que aprendem a tocar bem (ou cantar, em alguns casos) a música sinfônica, os músicos, de alguma forma, se afastam dos colegas que não tiveram o mesmo destaque, ou mudam de comportamento?

3) Será que a ideia de vocação artística tem sido usada para atender ao pensamento liberal - que tem como características a responsabilização do indivíduo e a ideia de uma suposta neutralidade política nas escolhas e ações das pessoas?


Referências:


ADENOT, Pauline. 2010. A questão da vocação na representação social dos músicos (Tradução de Clotilde Lainscek). In. Revista Proa, n°02, vol.01, 2010. Disponível em http://www.ifch.unicamp.br/proa

ARAÚJO, Samuel. 2008.    “From neutrality to praxis; the shifting politics of applied ethnomusicology”. Muzikoloski Zbornik/Musicological Annual, v. XLVI, p. 13-30.



8 comentários:

  1. ‎1_ Não creio que tem qualquer relação a vocação com a condição social do indivíduo. O individualismo é uma coisa natural, personalidade. Não tem a vercom egoísmo. Tem a ver com o jovem amadurecer, e formar suas próprias tendencias, afinidades, sua personalidade. Não compreendi bem essa questão.


    ‎2_ Creio que o meio da música erudita tem um grupo muito pequeno, em nossa cidade, e até em nosso país. A maioria dos estudantes acaba se conhecendo, se encontrando, ou tendo amigos em comum fatalmente. Quando você escolhe isso como meio d
    e vida, é natural que passe a trabalhar em cima disso e conviver com as pessoas desse novo meio, que foi escolha do indivíduo. Generalizar comportamento eu não acho viável, porque as pessoas não são produtos do meio, mas possuem personalidade própria... Haverá aquerles que se deixam influenciar, e então tem um comportamento que é consequencia de influencia de um meio, mas haverá o que exerce mais seu livre arbítrio e não "esquece suas origens". Então é caráter e personalidade de cada um. Alguns poderão ficar metidos e deixar os outros de lado, mas outros serão as mesmas perssoas de sempre, embora em outro meio.


    ‎3_ Absolutamente que não. Se há uma pessoa que se esforça mais, que busca mais, que almeja mais que a outra, e acaba conquistando sendo fruto do seu próprio esforço, é porque ela merece isso. As motivações não podemos julgar o mérito, e ta
    mbém não é uma unidade. Realização pessoal? Mostrar para terceiros? Se exibir? Ficar rico? Isso tudo é muito pessoal. Poderá haver o individualismo sim, mas isso não o isenta de ser "vencedor", se conquistou sua posição por seu próprio esforço e por meios legais. É difícil traçar uma linha comportamental "comum" supondo que todos são frutos da influencia de quem os governa. Há o livre arbítrio, e o caráter de cada indivíduo em questão, para acatar ou não isso ou aquilo. Se assim não fosse, todos nós seríamos iguais, inclusive os poderosos, e não haveria qualquer diversidade cultural e social.

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  2. 2)Musica eh um fenomeno social por natureza. Nao se faz musica sinfonica sozinho.

    Mesmo que alguem venha a se afastar de seus colegas nao musicos (eruditos) novos amigos sao feitos. O importantate e ter a oferta.

    Acredito que essa possibilidade nao se limita a uma unica "classe social/financeira", vai do "favelado" ate o "playboy".

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    1. Concordo que essa possibilidade não se limita à uma determinada classe e que não se faz música sinfônica sozinho. Mas, dentro do que estamos falando, gostaria de colocar duas questões: a primeira é que, a princípio, a música sinfônica é algo externo à realidade das favelas (bairros que são o principal foco do ensino da música sinfônica desenvolvido por "projetos sociais") e esse tipo de comportamento individualista (que acredito que não seja "natural do ser humano") é de certa forma levado aos jovens das favelas através do ensino de música, ou seja, através de como se pensa a música, como se lida com ela, pra que ela serve, etc. Segundo é que o fato de estarem em um coletivo (no caso, uma orquestra)não quer dizer que as pessoas se portem coletivamente. É muito comum, não só nas orquestras, a atitude de "fazer a sua parte", "garantir o seu"; por isso, digo que pode haver sim muito individualismo dentro de um coletivo, situação bastante presente nas orquestras, e isso está longe da ideia de coletividade em que todos participam das decisões, rumos e tarefas do coletivo.

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  3. Não entendi muito as pergunta. Mas num vejo poblema em se incentivar os jovens a aprender musica por ongs. Acho estremamente positivo a oportunidade que se da a eles para aprenderem um instrumento como profissao ou como laser. Por exemplo, a musica mudou a vida dessa menina.

    http://extra.globo.com/noticias/rio/o-amor-de-uma-jovem-de-comunidade-por-acordes-de-um-violino-5895824.html

    Jefersson

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    1. Oi, Jefersson. Gostaria de entender o que significa "mudar a vida" pra você. No texto dessa pequena reportagem que você enviou são pouquíssimas as explicações. "Mudar a vida" é conseguir um emprego? É sair da favela? É ter maior poder de compra? É a pessoa assimilar os comportamentos e/ou os modos de vida da classe média e da elite? Na favela há muita oportunidade de aprender a tocar um instrumento como profissão, ou como lazer, nas escolas de samba, nos grupos de pagode, forró, além do trabalho desenvolvido por Mc's e Dj's.

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  4. Julia atuando na vida podemos tentar transformar a realidade ou mantê-la, e acho que as artes e a educação são potencialidades fortíssimas para isso.
    Vou me deter apenas na terceira por entender que esta serve de base para pensarmos nos comportamentos que as duas primeiras perguntas questionam. Apesar de servir de embasamento para eles não me sinto apta a discutir tais comportamentos generalizadamente e como não estou trabalhando em nenhum contexto exatamente como este para me servir de estudo de caso prefiro me ausentar. A última pergunta, no entanto, possui um cunho mais estritamente político e portanto me sinto apta a expressar minha opinião.

    3) Eu não tenho dúvidas que sim, não só em comunidades de baixa renda como em qualquer local a difusão do esforço pessoal como prioritário ou único desmobiliza a luta de classe. O problema maior em ser nas comunidades de baixa renda é a legitimação de uma ideologia que não está a favor desta comunidade, pois ela se constitui em sua maioria de trabalhadores e não de proprietários e por isso é considerada "de baixa renda". Uma sociedade vista como uma sociedade de luta de classe mobilizaria as pessoa ao contrário da visão burguesa que concebe a sociedade como luta entre indivíduos. "A crença na capacidade individual é uma das mais poderosas armas do capitalismo para manter a classe trabalhadora desunida e digladiando-se entre si" (Reflexões sobre luta de classes no interior da escola pública - Luiz Carlos de Freitas in educação e luta de classes)

    Priscilla Paraiso Pessoa

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  5. 1 - Realmente não tenho uma opinião formada sobre isso, mas acredito que tudo que gira em torno da ideia do dom, ou da vocação, quer dizer algo dado pelo cosmo ou coisa assim para uma pessoa que sem qualquer esforço o recebe, gera um reforço na perspectiva individualizante, separando-a das demais pessoas "normais" do mundo. Acho que isso pode sim gerar uma perspectiva individualista, mas também não acho que isso seja uma norma...

    2 - Dentro da minha experiência pessoal eu acho que esse afastamento acontece sim, mas também não posso afirmar que seja algo constante, apenas posso dizer que pelo que eu vivi como músico acho que as pessoas após "evoluírem" tecnicamente também acabam por se aproximar mais das pessoas que possuem um "nível" técnico semelhante, e acho que a própria projeção dentro do mercado musical também ajuda nisso.

    3 - Com certeza, desde a ascensão do pensamento burguês (iluminismo) com especial crescimento no romantismo e com potencialização disso com a globalização e expansão do capitalismo, tanto em seus aspectos objetivos como subjetivos. O músico acaba, na minha opinião, por estar colocado como uma espécie de profissional liberal, que muitas vezes deve pensar em formas de "passar a perna" em quem se põe à sua frente, e que não tem qualquer escrúpulo na hora de escolher o cliente. Aqui em Portugal vi uma coisa que refletia bem isso: um músico tinha no facebook uma foto ao lado do primeiro-ministro durante um jantar no qual esse músico realizou um concerto, porém no comentário da foto esse mesmo músico dizia o quanto ele não gostava desse primeiro-ministro, quer dizer, a posição política do músico não foi suficiente para negar um trabalho, que servia essencialmente para o prazer desse político, e nem sequer para o impedir de tirar uma foto com ele...

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  6. Bom, minha experiência foi com banda, não com orquestra.
    Definitivamente, tocar na banda da escola não afasta ninguém de ninguém, individualizar, talvez, afinal a criança passa a ser 'do trompete' ou 'do bumbo'.
    Já esse apreço por procurar vocações sempre me incomodou.
    Tenho comigo que isso é justificativa prá projeto que procura patrocínio e precisa de estatísticas para provar sua efetividade.
    Meus alunos tocavam na banda porque gostavam, eram felizes lá e conseguiam se concentrar (talvez seja necessária vocação prá querer ser feliz).
    Quem descobriu a vocação do povo de baixa renda para música sinfônica? Antigamente a vocação que o senso comum aceitava era prá bateria de escola de samba.
    De repente a flauta doce virou o instrumento preferido de todos os alunos. Agora não deve ser mais.
    Certamente gestores direcionam os projetos para seus interesses, já houve época em que o Villa-Lobos conveceu o Brasil de que cantar em coro orfeônico era o que havia de bom.
    Onde estão os coros orfeônicos?
    Não há neutralidade, muitas vezes as pessoas nem têm escolha.

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